12/04/2024

Carf autoriza dedução de furto de energia do cálculo do IRPJ Por: Adriana Aguiar

 Por: Adriana Aguiar
Fonte: Valor Econômico
A Light conseguiu anular no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf) duas autuações fiscais que somam aproximadamente R$ 2 bilhões. São
as primeiras decisões favoráveis às distribuidoras de energia que autorizam a
dedução do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL das chamadas perdas não
técnicas - derivadas principalmente dos chamados “gatos”, os furtos
decorrentes de ligações clandestinas na rede elétrica. Até então, as companhias
perdiam essa discussão.
A 4ª Turma Extraordinária da 1ª Seção aceitou, por unanimidade, recursos
apresentados pela Light, cancelando integralmente os autos de infração. Os
conselheiros acataram a argumentação de que essas perdas representam um
custo inerente à atividade desenvolvida pela concessionária no Rio de Janeiro.
Por isso, poderiam ser deduzidas da base dos impostos federais (processos nº
16682.720895/2020-62 e nº 16682.721089/2020-10).
Para a Receita Federal, essas despesas não estariam ligadas à atividade
econômica e a dedução só seria possível se cada furto de energia estivesse
registrado de forma detalhada e individualizada em boletim de ocorrência
policial. O que, segundo os advogados da empresa, seria impossível de se
executar no atual cenário do Rio de Janeiro.
O tema é de extrema importância para o setor. Segundo relatório da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as perdas totais de energia na distribuição
(técnicas e não técnicas) representaram aproximadamente 14% do mercado
consumidor brasileiro em 2021. Significariam mais que o consumo total de
energia elétrica das regiões Norte e Centro-Oeste em 2018.
De acordo com parecer apresentado nos processos, de 2017 a 2021, a Light
investiu mais de R$ 1,7 bilhão (valores históricos) no combate às perdas não
técnicas. Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, que assessora a Light em
um dos processos, destaca que essas perdas não técnicas decorrem
substancialmente de furto.
“Infelizmente, no Rio de Janeiro, existem áreas dominadas pelo crime
organizado, pelas milícias, pelo tráfico. E nessas regiões, a proporção de gatos
chega a 85%, 90%. Ou seja, só 10% dos moradores pagam a conta de energia”,
diz. “Então, essas perdas não técnicas são, na atividade econômica das
concessionárias, uma despesa extremamente relevante.”
Carlos Henrique Bechara, sócio do Pinheiro Neto Advogados, que assessora a
Light no outro processo, destaca que a companhia fez, só no ano de 2017, mais
de 600 boletins de ocorrência. Porém, acrescenta, “por mais que se empenhe
no combate, é impossível eliminar completamente essas perdas”. “A Light, por
outro lado, é obrigada a distribuir energia em toda a área de sua concessão no
Rio de Janeiro, incluindo áreas dominadas pelo tráfico e pela milícia.”
Até 2021, cerca de 4,4 milhões de habitantes estavam sob controle de algum
grupo armado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que representa
aproximadamente 25% da população do Estado, de acordo com o trabalho
“Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro”, publicado pelo
Instituto Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da
Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF).
As decisões obtidas pela Light são os primeiros precedentes favoráveis obtidos
pelo setor de energia. De acordo com Bechara, são extremamente importantes
porque todos os pontos técnicos da defesa foram analisados e amplamente
debatidos pelo Carf. “O caso da Light é bastante expressivo porque é o maior
valor de perdas por gatos no Brasil. A quantidade de energia furtada por ano é
suficiente para abastecer todo o Estado do Espírito Santo”, diz.
Para o advogado, no Rio de Janeiro, qualquer concessionária de energia estaria
enfrentando exatamente o mesmo problema por conta da alta incidência de
“gatos”. “A posição da Receita Federal afeta de forma direta a viabilidade
financeira da concessão. Esse precedente traz ânimo para o setor.”
Renata Yamada, diretora tributária da Light, considera o entendimento adotado
pelo Carf de extrema relevância para tratar de forma justa o desequilíbrio
econômico gerado pelo furto de energia, um grande desafio do setor elétrico.
O prejuízo anual da empresa com os “gatos”, acrescenta, é de cerca R$ 1 bilhão,
“em uma das áreas de concessão mais complexas do Brasil”. “Para se ter uma
ideia do tamanho do desafio, a cada dez clientes regulares há outros seis que
furtam energia.”
Até então, as distribuidoras de energia vinha perdendo a discussão em outros
casos analisados no Carf. Há pelo menos três decisões contrárias à dedução
desses valores do IRPJ e da CSLL. Todas da 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção.
Em 2020, os conselheiros decidiram manter uma autuação fiscal recebida pela
Light. No processo, referente aos anos de 2013 e 2014, a companhia alegou que
fez boletim de ocorrência. Porém, a fiscalização considerou o documento “vago
e genérico” e alegou que a Aneel compensa os furtos na tarifa (processo nº
16682.721141/2018-13).
A turma já havia analisado duas cobranças semelhantes. Uma delas da EDP
Espírito Santo Distribuição de Energia (processo nº 15586.720168/2018-14).
Manteve cobrança de IRPJ e CSLL e afastou a de PIS e Cofins.
No caso da Light, a fiscalização considerou que as chamadas “perdas não
técnicas” deveriam ter sido adicionadas ao resultado para apuração do lucro real
e cálculo do IRPJ e CSLL. Pelo Regulamento do Imposto de Renda, elas podem
ser deduzidas em casos de furto ou fraude.
O assunto foi objeto de diferentes soluções de consulta da Receita. E em 2017
foi destacado que deve haver queixa-crime para comprovação de furto, o que
já era previsto pelo Regulamento do Imposto de Renda.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o
tema ainda está sendo discutido e apreciado pelas turmas do Carf, “de modo
que é preciso aguardar para ver como a jurisprudência irá se consolidar”. E
destaca que, nos acórdãos 1402-004.314 e 1402-004.517, o tribunal decidiu que
as empresas precisam cumprir os requisitos previstos na legislação fiscal para
poder deduzir, na apuração do IRPJ e da CSLL, as perdas decorrentes do furto
de energia.